domingo, 7 de outubro de 2007

Pesquisas e amor

A Folha de SP publicou hoje uma pesquisa sobre comportamento da sociedade. Um dos temas, claro, foi o amor. Eis o texto de Contardo Calligaris.

O triunfo de qual amor?

Talvez a gente esteja inventando um novo tipo de casamento, uma aliança sentimental sem paixão

Em 1998, 20% dos homens entrevistados na pesquisa Família Brasi-leira pensavam que a principal qualidade de uma esposa consistisse em saber cuidar da casa. Hoje, esse percentual caiu para 7%. Também em 1998, outros 12% escolheram cuidar bem dos filhos como qualidade principal. Em 2007, foram só 4%.

Até aqui poderíamos entender, simplesmente, que, na última década, os homens, enfim, pararam de esperar que suas esposas fossem babás e governantas. A recíproca, digamos assim, também aconteceu: há nove anos, 14% das mulheres diziam que a principal qualidade de um marido consistia em sustentar a família. Agora, são 4% as que pensam os mesmo. Aprimoremos, portanto, a conclusão: os brasileiros se casariam cada vez menos para distribuir as tarefas do lar. Acabou de vez a época dos caçadores-colhedores; já estava na hora.

Ora, talvez a pesquisa de hoje mostre que estamos amadurecendo, ou seja, reformulando essa utopia impossível: nada de resignação, mas a invenção progressiva de um novo tipo de casamento. Veja só. Os entrevistados tiveram que escolher, entre seis itens, qual seria o mais importante para a felicidade de um casamento. Pois bem, 38% escolheram a fidelidade (contra 23% em 98). Em compensação, a importância do amor diminuiu, de 41% para 35%.

Estranho, não é? Afinal, o ciúme não é um complemento do amor-paixão? Como pode diminuir a exigência de amor e aumentar a de fidelidade? A resposta está em outros números oferecidos pela pesquisa. Entre 1998 e hoje, aumentou o percentual das mulheres que consideram como principal qualidade de um marido sua capacidade de ser companheiro e amigo (de 6% para 11%) e de ser atencioso (de 3% para 10%).

Que ele ame a esposa é também crucial, mas talvez esteja mudando nossa idéia do tipo de amor que deve acompanhar e sustentar o casamento. Talvez não procuremos mais o amor-paixão (note-se que a vida sexual satisfatória como item necessário para a felicidade da união ficou com um triste 2%), mas um amor companheiro e amigo, “um amor tranqüilo”, como diz a música. Se isso fosse verdade, a fidelidade, hoje considerada uma qualidade essencial do marido e da esposa, não seria a exigência possessiva da paixão.

Existe uma fidelidade que não consiste em evitar aventuras, escapadas e amoricos paralelos; é o tipo de fidelidade que é exigível de um amigo. Talvez, em suma, esteja aparecendo um novo tipo de casamento moderno, baseado, como deve ser, nos sentimentos, mas não no ideal do amor-paixão romântico nem do da satisfação sexual: uma espécie de aliança sentimental para a vida.

Ia terminar comentando que essa transformação do casamento não seria um mal. A verdade é que ela já está em curso, nas inúmeras uniões que continuam e persistem numa amizade em que, às vezes, parece que o amor se perdeu, quando, de fato, é nessa amizade que ele se transformou.

Contardo Calligaris, psicanalista e colunista da Folha, é divorciado (duas vezes, e não da mesma mulher) e tem um filho

14% é o menor índice dos que acham que a fidelidade deve ser a principal qualidade de uma mulher e é registrado na faixa dos que ganham mais de 20 SM.

Entre os mais pobres, é de 21% Existe um fidelidade que não consiste em evitar aventuras, escapadas e amoricos paralelos

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